sexta-feira, 19 de abril de 2013

CADÊ AS ALIANÇAS?




Desde o início das minhas atividades como fotógrafo, em meados de 1972, a minha especialidade era fotografar crianças. No período de aprendizagem, os meus instrutores me orientaram a fotografar na metragem.
Mas o que é isso?  Os fotógrafos da velha geração sabem bem o que é. Metragem consiste ajustar o foco, calculando a distância entre a câmara e o objetivo a ser fotografado. Desta forma, eu não precisava conferir no visor, se a imagem estava no foco ou não.  Depois de muito treino, fotografar na metragem tornava o trabalho mais ágil e seguro, principalmente nas fotografias em movimento.  E todos hão de convir que movimento é o que não falta às crianças. Já imaginou procurar o foco no visor com crianças correndo?
Nos dias de hoje, na era da foto digital, as câmaras fotográficas possuem foco automático. Assim, o fotógrafo não tem mais a preocupação de ajustar o foco antes do clique final.
Passei quase oito anos fotografando apenas crianças.  A distância máxima que eu utilizava para fazer essas fotos, não passava de dois metros e meio. 
Quando comecei a trabalhar no Foto Euclydes & Gardini, em 1979, precisei reaprender a fotografar.  Ao participar de reportagens de casamentos, formaturas, e outros tipos de eventos sociais, as fotografias eram feitas na sua maioria, a quatro, cinco, seis metros de distância. E eu não tinha muita noção de cálculo para distâncias longas, pois passei o tempo todo fotografando apenas de perto.
Vocês vão entender agora, o porquê da utilidade e facilidade de se fotografar calculando o foco, a invés de focar a imagem no visor da câmara.
No final dos anos 70, quando comecei a fotografar casamentos, era muito grande a presença de padres católicos de origem estrangeira. Principalmente, italianos, alemães e poloneses.  Muitos deles, já com a idade avançada, tinham vivido os horrores da segunda guerra mundial, terminada em 1945.  Eram pessoas com temperamento diferente do nosso e, muitas vezes, bastante esquisitas. Havia a necessidade de se tomar bastante cuidado ao fotografar uma cerimônia conduzida por um padre desses.  De repente, eles podiam reagir de uma forma não esperada e nos colocar numa situação bastante constrangedora.  Não era raro, o padre “passar um pito” no fotógrafo, ou seja, chamar a sua atenção em público por causa de um comportamento que ele achava inadequado.
Na cidade de Buritama-SP, às margens do rio Tietê, vivia um padre com essas características.  Não sei precisar qual a sua nacionalidade.
A particularidade dele era realizar as cerimônias de casamento numa rapidez de fazer inveja ao falecido Ayrton Senna.
O primeiro casamento que fotografei nesta cidade, a cerimônia foi cronometrada em seis minutos e meio, contanto a entrada e a saída da noiva. Um convidado marcou o tempo no relógio e depois, já na festa me contou.
Era muito rápido, mal dava tempo de fotografar o essencial, com as trocas de filmes, que na época tinham apenas doze exposições.
Se o fotógrafo fosse meio lento na troca de filmes, deveria se valer da utilização de duas câmaras carregadas, pois o tempo para fotografar era realmente muito curto.
Depois do susto que passei neste primeiro casamento que fotografei na cidade, a partir do segundo casamento levei reforço comigo. Outro profissional me acompanhou nas reportagens.  Enquanto um fotógrafo fazia o acompanhamento dos detalhes da cerimônia, o outro fazia “vistas fotográficas” da igreja, fotografava padrinhos e convidados.  O segundo fotógrafo também cobria o primeiro na hora de recarregar a câmara.
            Por sorte, ou por competência nossa, os nossos clientes desta cidade aceitaram bem o nosso trabalho e, com frequência, éramos convidados a fotografar os principais eventos sociais ali realizados.
E acabamos nos adaptando ao estilo de trabalho do padre.  A rapidez da cerimônia já não assustava tanto.
Dentre as esquisitices do padre, vou destacar aqui duas delas.  A primeira acontecia sempre quando a cerimônia terminava, os noivos se posicionavam na porta da igreja para receber os cumprimentos dos convidados.  Muitas vezes, presenciei o padre empurrando os últimos convidados para fora da igreja, pressionando as portas nas costas dos mesmos.   A segunda aconteceu quando eu resolvi presentear o padre com um pôster de uma imagem externa da igreja. Ao invés de me agradecer, ele me deu uma bronca dizendo que não era aquele o melhor ângulo e que eu deveria ter fotografado de uma outra posição.  Qualquer pessoa sensata e educada agradeceria o presente, fazendo uma observação do tipo: “Na próxima vez que você fotografar a fachada da nossa igreja, experimente fotografar de tal posição.  Acho que vai ficar melhor” 
Fácil ser gentil, né?  Mas não era o caso do nosso personagem.
Numa bela manhã de sábado, estávamos novamente na cidade para fotografar mais um casamento.  Dia bastante ensolarado, fazendo um calor daqueles. O padre trabalhando com a pressa habitual.
Marcha nupcial entoando, noiva toda sorridente adentrando a nave da igreja. O noivo, esfregando as mãos de tanto nervosismo.
Depois que o pai da noiva a entregou ao noivo, todos se posicionaram no altar e a cerimônia teve início.
Depois de um sermão com meia dúzia de palavras, os noivos prometeram fidelidade um ao outro “até que a morte os separe”. O padre abençoou os nubentes, pediu para que eles se beijassem, cumprimentou-os e deixou o altar.
Os noivos, todos desajeitados se posicionavam para a saída, quando um fato me intrigou.  E as alianças?  Será que foi combinado que não haveria alianças naquele casamento?  Alcancei o noivo pelo braço, e indaguei sobre as alianças.  Foi quando o mesmo me respondeu:
- As alianças estão aqui comigo...O padre não falou nada sobre elas e eu fiquei quieto.
Então, eu disse ao noivo:
- Espere um pouco, que eu vou falar com ele.
Ao lado do altar, havia uma escada que dava acesso à sacristia, que ficava num nível superior.  Era comum, depois de terminados os trabalhos, o padre dirigir-se até a sacristia, tirar a batina e ficar de pé na porta, lá no alto, observando a movimentação do pessoal no salão da igreja.
A figura do cidadão chamava a atenção, pois era um sujeito forte, com uma barriga já saliente, usando barbas compridas e grisalhas.  Estava sempre vestido com uma calça social marrom, com a cintura bem alta, até à boca do estômago, e uma camisa xadrez, de mangas longas com tons de verde e preto, abotoada no colarinho e nos pulsos,.. Deu pra ter uma idéia da figura?
Subi as escadas e cochichei ao ouvido do padre:
- Acho senhor se esqueceu das alianças.
Ele reagiu instintivamente, colocando as mãos no rosto e entrou rapidamente na sacristia para recolocar a batina.
Em menos de um minuto, o padre já estava diante dos noivos, devidamente paramentado.
Pediu as alianças ao noivo.  Fez a benção em silencio e, em seguida, os noivos fizeram a troca das mesmas. Tudo muito rápido.
Sem dizer uma única palavra, sem se desculpar perante os noivos e os presentes, o padre virou as costas e deixou o altar.  Uma vez mais ficou clara a natureza de seu caráter e sua educação.
A cerimônia terminou, com os presentes cochichando e rindo do acontecido.







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