Desde o início das minhas atividades como fotógrafo,
em meados de 1972, a
minha especialidade era fotografar crianças. No período de aprendizagem, os
meus instrutores me orientaram a fotografar na metragem.
Mas o que é isso?
Os fotógrafos da velha geração sabem bem o que é. Metragem consiste ajustar
o foco, calculando a distância entre a câmara e o objetivo a ser fotografado.
Desta forma, eu não precisava conferir no visor, se a imagem estava no foco ou
não. Depois de muito treino, fotografar
na metragem tornava o trabalho mais ágil e seguro, principalmente nas
fotografias em movimento. E todos hão de
convir que movimento é o que não falta às crianças. Já imaginou procurar o foco
no visor com crianças correndo?
Nos dias de hoje, na era da foto digital, as câmaras
fotográficas possuem foco automático. Assim, o fotógrafo não tem mais a
preocupação de ajustar o foco antes do clique final.
Passei quase oito anos fotografando apenas crianças. A distância máxima que eu utilizava para
fazer essas fotos, não passava de dois metros e meio.
Quando comecei a trabalhar no Foto Euclydes &
Gardini, em 1979, precisei reaprender a fotografar. Ao participar de reportagens de casamentos,
formaturas, e outros tipos de eventos sociais, as fotografias eram feitas na
sua maioria, a quatro, cinco, seis metros de distância. E eu não tinha muita
noção de cálculo para distâncias longas, pois passei o tempo todo fotografando
apenas de perto.
Vocês vão entender agora, o porquê da utilidade e
facilidade de se fotografar calculando o foco, a invés de focar a imagem no
visor da câmara.
No final dos anos 70, quando comecei a fotografar
casamentos, era muito grande a presença de padres católicos de origem
estrangeira. Principalmente, italianos, alemães e poloneses. Muitos deles, já com a idade avançada, tinham
vivido os horrores da segunda guerra mundial, terminada em 1945. Eram pessoas com temperamento diferente do
nosso e, muitas vezes, bastante esquisitas. Havia a necessidade de se tomar
bastante cuidado ao fotografar uma cerimônia conduzida por um padre
desses. De repente, eles podiam reagir
de uma forma não esperada e nos colocar numa situação bastante
constrangedora. Não era raro, o padre
“passar um pito” no fotógrafo, ou seja, chamar a sua atenção em público por
causa de um comportamento que ele achava inadequado.
Na cidade de Buritama-SP, às margens do rio Tietê,
vivia um padre com essas características.
Não sei precisar qual a sua nacionalidade.
A particularidade dele era realizar as cerimônias de
casamento numa rapidez de fazer inveja ao falecido Ayrton Senna.
O primeiro casamento que fotografei nesta cidade, a
cerimônia foi cronometrada em seis minutos e meio, contanto a entrada e a saída
da noiva. Um convidado marcou o tempo no relógio e depois, já na festa me
contou.
Era muito rápido, mal dava tempo de fotografar o
essencial, com as trocas de filmes, que na época tinham apenas doze exposições.
Se o fotógrafo fosse meio lento na troca de filmes,
deveria se valer da utilização de duas câmaras carregadas, pois o tempo para
fotografar era realmente muito curto.
Depois do susto que passei neste primeiro casamento
que fotografei na cidade, a partir do segundo casamento levei reforço comigo.
Outro profissional me acompanhou nas reportagens. Enquanto um fotógrafo fazia o acompanhamento
dos detalhes da cerimônia, o outro fazia “vistas fotográficas” da igreja,
fotografava padrinhos e convidados. O
segundo fotógrafo também cobria o primeiro na hora de recarregar a câmara.
Por
sorte, ou por competência nossa, os nossos clientes desta cidade aceitaram bem
o nosso trabalho e, com frequência, éramos convidados a fotografar os
principais eventos sociais ali realizados.
E acabamos nos adaptando ao estilo de trabalho do
padre. A rapidez da cerimônia já não assustava
tanto.
Dentre as esquisitices do padre, vou destacar aqui
duas delas. A primeira acontecia sempre quando
a cerimônia terminava, os noivos se posicionavam na porta da igreja para
receber os cumprimentos dos convidados.
Muitas vezes, presenciei o padre empurrando os últimos convidados para
fora da igreja, pressionando as portas nas costas dos mesmos. A segunda aconteceu quando eu resolvi
presentear o padre com um pôster de uma imagem externa da igreja. Ao invés de
me agradecer, ele me deu uma bronca dizendo que não era aquele o melhor ângulo
e que eu deveria ter fotografado de uma outra posição. Qualquer pessoa sensata e educada agradeceria
o presente, fazendo uma observação do tipo: “Na próxima vez que você fotografar
a fachada da nossa igreja, experimente fotografar de tal posição. Acho que vai ficar melhor”
Fácil ser gentil, né?
Mas não era o caso do nosso personagem.
Numa bela manhã de sábado, estávamos novamente na
cidade para fotografar mais um casamento.
Dia bastante ensolarado, fazendo um calor daqueles. O padre trabalhando
com a pressa habitual.
Marcha nupcial entoando, noiva toda sorridente
adentrando a nave da igreja. O noivo, esfregando as mãos de tanto nervosismo.
Depois que o pai da noiva a entregou ao noivo, todos
se posicionaram no altar e a cerimônia teve início.
Depois de um sermão com meia dúzia de palavras, os
noivos prometeram fidelidade um ao outro “até que a morte os separe”. O padre
abençoou os nubentes, pediu para que eles se beijassem, cumprimentou-os e
deixou o altar.
Os noivos, todos desajeitados se posicionavam para a
saída, quando um fato me intrigou. E as
alianças? Será que foi combinado que não
haveria alianças naquele casamento?
Alcancei o noivo pelo braço, e indaguei sobre as alianças. Foi quando o mesmo me respondeu:
- As alianças estão aqui comigo...O padre não falou
nada sobre elas e eu fiquei quieto.
Então, eu disse ao noivo:
- Espere um pouco, que eu vou falar com ele.
Ao lado do altar, havia uma escada que dava acesso à
sacristia, que ficava num nível superior.
Era comum, depois de terminados os trabalhos, o padre dirigir-se até a
sacristia, tirar a batina e ficar de pé na porta, lá no alto, observando a
movimentação do pessoal no salão da igreja.
A figura do cidadão chamava a atenção, pois era um
sujeito forte, com uma barriga já saliente, usando barbas compridas e
grisalhas. Estava sempre vestido com uma
calça social marrom, com a cintura bem alta, até à boca do estômago, e uma
camisa xadrez, de mangas longas com tons de verde e preto, abotoada no
colarinho e nos pulsos,.. Deu pra ter uma idéia da figura?
Subi as escadas e cochichei ao ouvido do padre:
- Acho senhor se esqueceu das alianças.
Ele reagiu instintivamente, colocando as mãos no
rosto e entrou rapidamente na sacristia para recolocar a batina.
Em menos de um minuto, o padre já estava diante dos
noivos, devidamente paramentado.
Pediu as alianças ao noivo. Fez a benção em silencio e, em seguida, os
noivos fizeram a troca das mesmas. Tudo muito rápido.
Sem dizer uma única palavra, sem se desculpar perante
os noivos e os presentes, o padre virou as costas e deixou o altar. Uma vez mais ficou clara a natureza de seu
caráter e sua educação.
A cerimônia terminou, com os presentes cochichando e
rindo do acontecido.
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