sexta-feira, 19 de abril de 2013

FOMOS PARAR NA DELEGACIA DE POLÍCIA...




Meus amigos,
Antes de iniciar a nossa história, gostaria de fazer algumas considerações.
A primeira delas, é como tratamos (ou chamamos) a máquina fotográfica.
No segundo semestre de 1981, participei na cidade de Tupã-SP, de um curso ministrado pela Kodak Brasileira.  O objetivo principal do curso era valorizar a máquina fotográfica como um todo.  Era comum, naquela época, vermos usuários e principalmente vendedores das lojas especializadas tratando as máquinas mais simples e com poucos recursos, de maquininha. O nome no diminutivo, por si só, já desvalorizava o produto.
Assim, o nosso palestrante quis incutir nas nossas mentes, o nome técnico do produto.  Desde as mais simples até as mais sofisticadas, as máquinas fotográficas deveriam ser tratadas por câmaras fotográficas.
A palavra câmara, no dicionário da língua portuguesa significa “compartimento ou recinto fechado, destinado a um fim específico”.  No caso da fotografia, a câmara seria um local onde o filme era depositado para proteção da luz externa, pois esta película é sensível à luz. Visitem a página na internet. Lá, as informações são mais completas: www.priberam.pt/dlpo/
Na ocasião, a Kodak era a campeã na produção e venda de câmaras básicas, com poucos recursos e, consequentemente, mais baratas.  Eram produtos acessíveis a todos os bolsos.
Como essas câmaras eram produzidas no Brasil e exportadas para as três Américas, na embalagem do produto, tínhamos a identificação em três idiomas: câmara (em português), cámara (em espanhol) e camera (em inglês).
Eu adotei câmara como minha designação favorita, quando refiro-me à maquina fotográfica. E esta palavra vai aparecer muito nas histórias que estou contando, inclusive na próxima.
Com o tempo prevaleceu o nome em inglês, que acabou sendo adotado, inclusive pela Kodak, a partir do surgimento da fotografia digital.
Nos últimos meses de atuação no mercado fotográfico, tive que amargar um dissabor.  Na empresa em que eu trabalhava, o Cine Foto Star de Rio Preto, fizemos uma promoção de vendas de câmaras fotográficas. Providenciamos uma faixa divulgando a promoção, que foi afixada na frente da loja com os seguintes dizeres: “Promoção. Câmaras Fotográficas em 10x sem juros”. 
Na ocasião, passava em frente da loja, uma figura importante na cidade.  Além de médico bastante conhecido, atuava também na política, tendo sido eleito vereador em várias oportunidades.  Esse cidadão fez questão de entrar na loja para saber quem era o analfabeto que havia produzido aquela faixa.  No entender dele, o correto seria camera e não da forma que estava escrito. E disse mais.  A palavra câmara seria utilizada apenas quando se referia à Câmara dos Deputados ou Câmara dos Vereadores, como se não houvesse câmara de ar, câmara frigorífica, câmara fria, câmara escura, etc.
Infelizmente, eu não estava na loja naquele momento, senão o sujeito teria a resposta que merecia, bem explicadinha. Aconteceu no meu horário de almoço.
            A segunda consideração que gostaria de fazer é a respeito de como mudaram os costumes com a chegada do progresso e desenvolvimento das cidades.
Nos anos 80, Rio Preto tinha praticamente a metade da população que tem hoje.
Naquela época, era comum almoçarmos em casa.  Mesmo que morássemos nos bairros mais distantes.  Hoje, com o tamanho da cidade, trânsito e o tempo curto, esta prática é inviável.
Nos dias de hoje, é comum vermos pessoas almoçando de pé, tamanha a escassez de tempo.
Mas, deixando as considerações de lado, vamos à nossa história.
Ela se passou em meados dos anos 80 em São José do Rio Preto, quando eu era gerente da Jet Color, uma empresa do varejo fotográfico, que também realizava reportagens na área da fotografia social.
Era dia normal igual a tantos outros e eu chegava à loja, depois de ter ido almoçar em casa. Como disse nas considerações, ainda tínhamos a oportunidade de usufruir desse conforto. A vida corrida dos tempos modernos não nos permite este luxo.
Assim que adentrei o salão da loja, fui alertado por uma funcionária, dizendo que eu tinha um abacaxi para descascar.  Aliás, já fazia algum tempo que desconfiava que os meus colegas de trabalho tinham um quê de sadismo.  O prazer deles era me envolver em situações difíceis.
Brincadeira minha, mas notava em alguns, um certo prazer, sim,  em me transmitirem notícia ruim.
Esse dia não foi diferente.  Enquanto eu almoçava em minha casa, um cliente deu um show de stress e falta de educação.  Tudo isso, porque não gostou da qualidade das fotos do filme que mandou revelar no nosso laboratório. Ele atribuiu a má qualidade das fotografias a algum problema ocorrido durante a revelação e ampliação das fotos.
Infelizmente, o pessoal que atendeu esse cliente não teve a calma nem a habilidade necessárias para contornar o problema e convencê-lo de que não havia nenhum problema da nossa parte e, sim, na forma como as fotos foram tiradas.  Ficou mais fácil pedir para o cliente voltar depois e se entender com o gerente.  Afinal, gerente é pra essas coisas. Nossos vendedores estavam orientados e treinados para atender todo tipo de ocorrência com firmeza e segurança.  Demonstrando fraqueza, o cliente acaba acreditando que a culpa é realmente do laboratório, chegando ao ponto de tornar o conflito quase sem solução.  A partir daí, não existe argumento que consiga convencê-lo do contrário.
Mas, o estrago estava feito. Os atendentes não conseguiram administrar o problema e o transferiram pra mim, no momento que voltasse do almoço.
Estava no escritório da loja separando os cheques para depósito bancário, quando vieram me chamar, pois o “cliente nervoso” havia chegado.
Depois de cumprimentar o cidadão, fui analisar os negativos e as fotos do filme em questão.  Deu pra notar que os fotogramas estavam superexpostos, muito escuros.  Isto ocorre quando o filme é exposto à luz de uma forma excessiva. No popular, muita claridade nas fotos.  Geram negativos escuros e fotos claras demais.  Os detalhes da imagem praticamente desaparecem.  Notei também que, dentre as 36 fotos tiradas, havia uma em perfeitas condições.  Este detalhe, somado às condições gerais do filme, indicavam que não havia problema na revelação e, sim, na forma de fotografar.  Havia duas possibilidades possíveis: câmara com defeito ou imperícia na hora de fotografar. Quando expliquei estes detalhes a ele, me acusou gritando:
- Isto aqui é Brasil! Ou a minha máquina não presta ou eu não sei fotografar.  Ninguém assume nada neste país! 
Falou bem alto para todos os clientes ouvirem.  E a loja estava cheia.
Com muita calma, expliquei que ele precisava acreditar em alguém.  Não adiantava ficar dando tiros para todos os lados. Contei sobre a minha experiência no ramo, qual o meu grau de conhecimento e, se ele não quisesse acreditar em mim, tudo bem. Eu até aceitaria a opinião de outro profissional na análise daquele filme, pois tinha certeza do que estava falando. Coloquei-me à disposição dele para fazer uma vistoria no equipamento usado naquelas fotos, para tentar descobrir as verdadeiras causas do ocorrido.
Parece que deu certo.
Ele abaixou o tom de voz e me pediu um tempo para buscar a câmara em sua casa para que eu pudesse fazer uma avaliação da mesma.
Uma hora depois, lá estava o cidadão de volta, bem mais calmo.
Convidei-o a entrar no escritório da empresa e, confortavelmente acomodado, ficou olhando para mim, enquanto eu fazia os devidos testes em sua câmara.
A máquina fotográfica era uma Olympus, modelo TRIP 35.  Câmara de metal, bastante robusta, campeã de vendas entre os equipamentos importados via Paraguay. Produto de excelente qualidade, mas não era vendida livremente no mercado, pois as importações estavam proibidas. Exceto quando um lote desses produtos era arrematado num leilão da Receita Federal.
Esta câmara funcionava de duas maneiras: Modo Automático – ela possuía uma célula fotossensível que regulava automaticamente a entrada de luz, de acordo com a sua intensidade. Esse dispositivo garantia fotografias iluminadas da forma correta, gerando cores vivas. A partir do momento que a iluminação do ambiente se tornava insuficiente, o disparador era travado, obrigando o usuário a acoplar um flash na sapata da câmara e regular a luz manualmente, de acordo com a tabela indicativa do flash. Esta era a segunda maneira de se utilizar a câmara, o Modo Manual.
            A célula desta câmara, ao contrário de outros modelos, não era alimentada por pilha ou bateria. Não sou técnico de máquinas, mas a informação que tive, é que esses modelos da Olympus possuíam um carvão interno que era recarregado pela própria luz solar. Quando a câmara ficava guardada muito tempo, sem uso e em ambientes escuros (com tampa na lente e guardada no estojo), ela travava em uma determinada regulagem. Ou o diafragma travava todo aberto ou todo fechado.  No caso do nosso cliente nervoso, a abertura da lente travou em 2,8, ou seja, toda aberta.  Desta forma a objetiva estava pré-regulada para fotografias em ambiente com pouca luz, devido à abertura excessiva.
Assim, estava esclarecido o que havia acontecido. Ele fez fotos externas, de uma casa com paredes claras, com sol a pino.  Com o diafragma da lente todo aberto, houve uma invasão excessiva de luz, deixando o filme torrado (preto, superexposto), resultando em fotos bem brancas, sem detalhes.
Após tomar uma água gelada e um café bem quentinho, entendeu as minhas explicações técnicas e confidenciou-me o porquê do descontrole quando viu o resultado das fotos.
Ele havia encomendado um serviço de pintura da sua residência a um profissional qualificado. Começou a fazer contas e desconfiou que poderia estar sendo passado para trás.  Na ótica dele, o pintor havia solicitado uma quantidade de material (tinta) muito maior do que o necessário.  Passados alguns dias, passando defronte à casa do pintor, ele presenciou o pintor pintando a própria casa, com uma tinta da mesma cor utilizada na sua casa. E chegou à conclusão que havia sido roubado.
Comprou um filme, carregou a câmara, e saiu fotografando as duas casas.  A sua e a do pintor.  Ele queria reunir provas para processar o pintor que o havia roubado, usando a tinta excedente em uso próprio.
Com as fotos todas comprometidas, seus planos ruíram.  As provas ficaram pelo caminho.
Já que tudo estava esclarecido, sugeri a ele que fizesse uma revisão da câmara, antes de utilizá-la novamente.  Foi quando entrou o Silvio na história...
Silvio era um funcionário nosso.  Sujeito muito inteligente, honesto e leal.  Até hoje, tenho orgulho de ser seu amigo. Pois é.  O Silvio entrou no escritório para me perguntar alguma coisa e, para o meu espanto, cumprimentou o nosso cliente de uma forma esfuziante. Ele já conhecia aquele senhor. Mais que isso.  Havia namorado a filha dele.
Depois dos cumprimentos e abraços, o cliente explicou o ocorrido e disse que ia procurar um técnico para consertar a máquina.
Querendo ser gentil, o Silvio se prontificou a ajudá-lo, pois conhecia um técnico muito bom, que cobrava um preço bem razoável.  Naquela hora, eu não sabia, mas a caca estava feita.
Silvio me contou que o sujeito tinha umas esquisitices.  Era sargento aposentado da Polícia Militar e prestava serviços a uma empresa de transporte de valores. Apesar de jovem, aposentou-se de vido a desequilíbrios mentais temporários.  Às vezes estava normal, às vezes não.
Foi então que pedi para o meu funcionário redobrar a atenção no caso dele, para não termos mais complicações no futuro.
Duas semanas depois perguntei a ele sobre o andamento do caso.  A resposta foi que o técnico havia passado o orçamento e o cliente havia sido informado do preço.  O técnico estava apenas aguardando a autorização do dono da câmara para executar o serviço.
Alguns dias depois, o Silvio me informa que o cliente havia pedido o endereço do técnico para ir pessoalmente combinar o serviço.  Falamos mais algumas vezes a respeito do assunto e a partir das respostas do Silvio, imaginei que tudo estivesse resolvido.
Passaram-se praticamente doze meses.  O assunto foi esquecido. A vida seguiu...
Um belo dia, o sujeito aparece na loja procurando pelo Silvio, que já não trabalhava mais conosco. Passei o recado com o Silvio e ele procurou se informar sobre o que estava acontecendo.  Segundo me disse, a máquina do sujeito ainda estava na oficina do técnico e ele ainda não havia autorizado o serviço.  Estava tudo parado.
Pedi:
- Pelo amor de Deus, Silvio! Resolva o problema, porque essa situação não está cheirando nada bem.
Dias depois, ele me tranquilizou dizendo que havia estado com o dono da câmara e ele estava com o endereço do técnico para buscar a máquina.
Mais alguns dias saí de férias. Enfim, alguns dias para descansar a mente.
Passei uns dias na praia com a família, e em seguida fui visitar uns parentes em Ribeirão Preto.
Já em Ribeirão, a vizinha da minha cunhada me dá um recado dizendo que ligaram de Rio Preto pra mim e que eu deveria dar o retorno o mais urgente possível. Imaginei: lá vem bomba!  Não havia deixado o endereço de Ribeirão com ninguém e minha cunhada nem tinha telefone.  Como é que me descobriram lá?
Fui até a Cia Telefônica e liguei para Rio Preto.
O sujeito havia voltado à loja, querendo a câmara fotográfica dele. Em resumo, ele não havia buscado a máquina no técnico.  Alem de desequilibrado era desonesto.  Queria levar vantagem.
Aproveitando que eu não estava na loja e o Silvio (ex-genro) não trabalhava mais lá, chegou mostrando as garras. Aqui, entra na nossa história mais um personagem, a Chica.

Chica era o apelido de uma vendedora nossa chamada Cidinha.  Um verdadeiro furacão no atendimento.  Quando eu me ausentava da loja, era ela quem respondia pela loja. Era uma espécie de sub-gerente, apesar de não existir esta função na empresa. Profissional competentíssima, mas de pavio curto, daquelas que não levam desaforo pra casa.
E ela não sabia dos detalhes do problema com aquele cliente.
Como o homem chegou atirando para todos os lados e ofendendo todo mundo, ela agüentou até o momento que ele se identificou como Policial Militar, querendo se prevalecer do cargo.  Apesar de ser aposentado.
Então, ela perdendo a calma, disse a ele:
- Só podia ser policial, para agir desta forma, com tanta falta de educação!
O homem endoidou, começou a gritar, dizendo que ia chamar a polícia, pois havia sido ofendido. E ela retrucou:
- Não foi ainda por quê?
O sujeito virou as costas e saiu furioso, em direção ao 1º Distrito Policial, que ficava na mesma rua, a duas quadras de distância.
Na delegacia, contou ao delegado a história que lhe convinha, com a agravante de ter sido ofendido pela moça.
Minutos depois, chegou à loja um investigador dizendo à nossa funcionária que ela estava sendo intimada pelo delegado a comparecer naquele momento à Delegacia para dar as devidas explicações.
Na delegacia, o delegado a pressionou bastante e ela, inexperiente e com muito medo diante daquela situação, ofereceu ao cliente uma câmara nova, de outra marca e modelo, de uma forma provisória.  Quando eu retornasse a Rio Preto, tudo seria esclarecido e resolvido.  A nossa câmara (zerinho) seria devolvida à loja e nós iríamos providenciar a retirada da Olympus dele junto à oficina de consertos.
Na verdade, o que ela queria, era apenas acalmar o cliente e ganhar algum tempo para a minha volta. De novo sobrou para mim o abacaxi para ser descascado.  Isto porque só eu e o cliente sabíamos da verdade dos fatos.
Em Ribeirão, depois de inteirado dos últimos acontecimentos precisei suspender as férias e voltar pra casa o mais rápido possível.
Chegando a Rio Preto, fui direto à Delegacia de Polícia conversar com o delegado responsável pelo caso. Depois que expliquei a minha versão da história, ele tomou a decisão de “intimar” todos os envolvidos para uma acareação.
No dia e horário marcados, estávamos reunidos na sala o delegado, eu,  Chica,  Silvio e o técnico (que detinha a guarda da câmara do cliente).  O único que não compareceu, foi o cliente desequilibrado, que de bobo não tinha nada. 
Segundo o delegado, ele compareceu ao Distrito uma hora antes do combinado e assinou um documento declarando estar satisfeito com a câmara nova. Para ele o caso estava encerrado e não queria passar pelo constrangimento de reencontrar todo mundo.
Assim sendo, o delegado encerrou o caso dizendo que não podia obrigá-lo a participar da reunião com todos, já que ele assinou um documento, afirmando que a verdadeira versão era aquela informada por ele. E se alguém se sentiu prejudicado por aquela decisão deveria mover uma ação contra o sujeito.
Passei o caso para o departamento jurídico da empresa, que depois de analisar com carinho o acontecido, preferiu deixar tudo como estava, já que o valor da câmara não compensava o custo do trabalho dos advogados e seu deslocamento das cidades de origem para comparecerem às audiências.
Por incrível que possa parecer, em 2005, já trabalhando em outra empresa, atendi esse mesmo maluco no balcão.  Ele queria comprar uma câmara digital, para acompanhar a modernidade dos novos tempos. Ele não me reconheceu, mas eu o identifiquei de pronto.  Juro que fiz o maior esforço para não vender a câmara, imaginando os problemas que poderia ter com ele no futuro.  Mas, não teve jeito. Ele sacou o talão de cheques da carteira, fez o pagamento e saiu levando a câmara.
Nunca mais o vi.
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